sábado, 26 de julho de 2008

E, enquanto.



Enquanto olho para o fundo da sala e sinto a madeira fria nos dígitos ainda quentes do teu olhar; e, enquanto entendo não serem apenas visões que tenho; e, enquanto olho sem ver que a madeira que vejo nada importa, mas que se entende, feita tela do olhar; e, enquanto repouso os meus olhos cansados lá no fundo da sala, mas sem a ver, o meu olhar não está lá.
E, enquanto. Tudo se resume a duas palavras. Tudo é uma espera incessante e imagino nunca ter saído desta sala. Das imagens que vi, sempre por breves breves breves instantes e a correr, a que ainda guardo trouxe-a emoldurada, bem guardada, aprisionada numa moldura para não escorrer paredes abaixo. É a única memória de que há mais além desta sala, e que, enquanto aqui espero, há mundo lá fora, e que há-de haver algo mais que esta espera. É uma casa, uma porta, uma janela, pintada pelas mãos de um artista que daqui parece difusa e pequena.
E, enquanto. E, enquanto estendo os meus olhos pela sala, meus braços a acompanhar o movimento tão longe longe longe, o meu vestido preto, tão preto preto preto, torna-se espesso, pesado, duro, penoso, insuportável, uma prisão.
E, enquanto. E, enquanto espero, posso até parecer sorrir, mas não é alegria que me banha o rosto, nem sol que me ilumina o cabelo. Ainda o sei atado, delicadamente atado, por me pedires com tanto jeitinho, a tua voz baixinha encostada ao meu ouvido, aquele que te ouve só a ti, que já nem se lembra de outros sons, também ele à espera do teu som, dos passos, dos compassos, da tua brevidade, da tua serenidade, da tua tranquilidade. E, enquanto espero por ti, não falo. E, embora tenha o ar perdido, bastará a aragem passar por ti e entrar nesta sala de espera para a fazer de encontro.
E, enquanto. E, enquanto espero, faço pausa de mim, não me mexo. Tão grande grande grande tem sido a espera, que me misturei com esta sala e o meu vestido preto já se confunde com as sombras.

Damasco

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