sábado, 11 de outubro de 2014

[bárbara be good]

Quando a Bárbara começou a fazer as primeiras birras fiquei muito aflita. Não sabia lidar com aquele estado de descontrolo. A primeira vez que ela se atirou para o chão aos berros pensei "onde está a minha filha?" e fiquei a olhar, incrédula, mas parte de mim queria fugir para bem longe. Depois comecei a fazer tentativas, lia umas coisas, punha em prática, ia pensando, e fomos traçando a nossa própria estratégia. 
Mas às vezes, em dias de exaustão, perco completamente a paciência e sai um berro ou uma palmada. Quase sempre corrijo logo a seguir, sem mostrar que estou tremendamente arrependida, sem que o sentimento de culpa me passe pela voz ou pelo olhar. Uma vez alguém disse que uma mãe nunca pede desculpa, mas eu tenho as minhas dúvidas. As mães também erram, as mães também choram. As mães falham. E pedir desculpa quando se erra, ou dizer "a mãe exagerou, está cansada e não queria gritar" é uma boa forma de ensinar a humildade. 
Com as birras da Bárbara aprendi muito. Primeiro, aprendi que as birras são coisas dela, não são dirigidas a mim. Como tal, aprendi a acolher e a conter toda aquela fúria, a acalmá-la e a ajudá-la a perceber o que sente. Segundo, aprendi que as crianças são para respeitar e levar muito a sério. E que desde cedo podem fazer escolhas e que ao escolher se sentem responsáveis e que controlam um bocadinho aquilo que as rodeia. Terceiro, aprendi que o caminho que parece mais lento e inglório é, na verdade, o mais directo. Vale a pena ter alguma tranquilidade e não mandar logo um berro. Mas não se nota logo. Com as birras da Bárbara aprendi a ler-me a mim própria e a ganhar confiança no meu papel de mãe. Fora os dias em que estou exausta, não tenho que me controlar para não lhe dar uma palmada no rabo, a voz sai-me naturalmente calma e firme, sinto-me segura. Eu sou a adulta e sinto que assim ela confia muito mais em mim e se confia respeita, sente-se amada e protegida. Zango-me, sim. Fico danada com ela, sim. Mas nunca lhe viro as costas, nunca deixo de lhe falar, nunca a abandono quando ela mais precisa, e é nestas alturas que efectivamente mais precisa.
Um dia, depois de a ter repreendido, acalmou-se e perguntou-me "e assim, mamã, já gostas mais de mim"? Respondi-lhe "às vezes não gosto do que tu fazes, mas gosto sempre de ti, sempre". É a mais pura das verdades, e eu quero que ela perceba que o que está em causa não é ela, mas sim o que ela faz. A minha filha mais velha é uma boa menina. Desobedecer não faz dela uma pessoa má. Bater nos pais é inaceitável, é horrível, mas não faz dela uma pessoa feia. E em fases de calmaria, quando acata o que lhe dizemos, quando responde ao que pedimos, quando conversa, quando pergunta, vêem-se muito bem os frutos da educação que lhe damos. 

6 comentários :

  1. Por aqui a coisa está tão, tão dificil. Não sinto nada essa segurança. Ele descarrega tudo em cima de mim, tudo!!! E por vezes opto mesmo por o deixar ali aos berros sozinho. Não sei que fazer!!!

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    1. Ana, não vou estar com rodeios. A minha paz interior é fruto de anos de psicoterapia. Tive que me pôr bem, é uma coisa que começou muito antes de pensar em filhos, tem sido um processo muito longo que me ajudou muito a adquirir o equilíbrio que tenho hoje, mas que sem dúvida está a fazer a diferença no meu papel de mãe. Simplesmente porque acho que muitas das reacções que temos com os nossos filhos são um bocado segundo a forma como as sentimos, um espelho.

      Se estiveres com paciência, tenho aqui algumas coisas que fui limando com o tempo.

      Tive que esquecer a ideia de que ela está contra mim, ela está a desafiar-me. Nós, mães (e pais) somos o alvo daquelas descargas porque é a nós que eles nos amam, é em nós que eles depositam toda a confiança. Não os vês a fazer birras com os tios ou primos. É como nós, também descarregamos tudo nos nossos mais-que-tudo! :)
      Deixei de a tratar como minha inimiga. A partir do momento em que deixei de lhe dizer "estás a testar-me, mas de mim não fazes farinha!" e comecei a dizer "então, filha, estás tão zangada, o que se passa contigo, estás zangada com a mamã, estás triste?... e por aí fora" ou “eu sei que queres ver mais televisão, mas está na hora de dormir” e digo-te, os resultados são mesmo diferentes. Dizemos, olha eu estou a ver que estás triste/zangado/frustrado e eu estou aqui. Sinto-me mais segura quando consigo ser empática com ela, focar-me nos sentimentos dela. Para mim, se ela desafia, xinga, bate... tem um motivo. Sem a desculpabilizar de tudo, tento que ela verbalize o que sente. Basicamente, sou o saco de porrada dela, o saco de vómito. Mas uma mãe também é isso.

      Tal como tu, também já a deixei aos berros sozinha. Ainda deixo. Mas não lhe digo "fica para aí, já não te posso ver", digo-lhe "olha, a mamã está lá dentro, quando te acalmares chama-me ou vem ter comigo para conversarmos". E ela assim descarrega tudo, put herself together, e depois já fica mais disponível para ouvir. f
      Se está a chegar a hora de ir dormir, digo-lhe “olha, faltam 5 minutos para desligar a televisão, olha faltam 2, olha, falta 1). E ela já sabe que quando acabar, acabou.
      Também a deixo escolher algumas coisas, mas sem dar muitas hipóteses. Para evitar as 390 histórias de noite e eu ter que dizer que não, e haver choradeira, digo logo “podes escolher duas histórias, quais vão ser hoje?”, ou “comes uma maçã ou um iogurte?”, ou “queres a t-shirt dos balões ou a do coração?”.

      Tudo isto foram coisas que aprendi, e isto em mim agora é mais natural. Se lhe mando uma palmada fico doente e não tem efeito absolutamente nenhum, senão o do momento.
      Optei por ser firme, coerente, mas sem ser rígida e mazona. Sinto-me tão mais tranquila. E li, sim. Mário Cordeiro, Tracy Hogg, os do costume. Não sigo à risca, vejo o que resulta melhor para nós. O Mário Cordeiro explica infalivelmente o que é isto das birras.
      De tudo, a coerência é fundamental, ser firme mas dócil. E perceber claramente que perante nós está uma criança, quer amor, afecto, carinho, atenção, brincadeira, sorriso. Eles lá sabem de limites e testes e afins. :) Eu às vezes gostava de ter 3 anos para poder fazer uma birra daquelas, e ter o colinho da minha mãe.

      Desculpa a “esfrega”. Beijinhos

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  2. Ora essa, muito obrigada pelo apoio! É que essa coisa do «estão a desafiar-nos, não podes deixar que façam farinha contigo» está tão enraizada, culturalmente entre nós. E quando me queixo da birra, anda ouço: «ah, eu nunca deixei os meus fazerem». Enfim... E sim, tenho optado pelo »se queres estar para aí com isso a mamã vai-se embora que não está para te ouvir». Palmadas também já houve e é o que dizes, arrependi-me sempre e foram fruto já de descompensação total. Confesso que nunca tentei a abordagem que dizes, porque tenho muito dentro de mim a convicção, que me foram pondo, de que as birras são más, que não se pode ceder, etc., e depois é tudo um braço de ferro insuportável com a gritaria em crescendo e a irritação de ambos ao máximo. Uma ou outra vez percebi que ele estava completamente desorientado (já mal respirava nem falava) e percebi que se sentia confuso, já nem sabia porque é que estava a chorar, já estava zangado comigo, enfim... Foi um drama conseguir que voltasse a si. Se tentasse atalhar caminho logo pela abordagem positiva, talvez fosse tudo evitável. E demorasse muito menos. E se calhar isso não significa, como nos querem dizer, que estamos a ceder à birrinha, a ser fracas, enfim... a pensar, mesmo. Obrigada pelo post e pelas palavras!

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    1. De forma alguma que é ceder, nem estás a ser fraca por seres um apoio para o teu filho. Deves fazer o que achas melhor, até podes fazer a maior asneira do mundo com ele, mas é a tua decisão, és a mãe, fazes o melhor que sabes e podes.
      Nós mães, temos que nos ouvir a nós próprias acima de tudo, e não às quinhentas vozes diferentes à nossa volta. :)

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  3. Como gostei de te ler S. Obrigada por este post. Eu acredito que as Mães erra, sim. Porque é a natureza humana… Um grande beijinho

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