A minha mãe inscreveu-me no ballet quando eu tinha 5 anos. Fiz testes para entrar, tive aulas com uma professora que tem o mesmo nome da minha filha. Fazíamos fila à porta e ela chamava-nos pelo nome, entrávamos nas pontas dos pés a agarrar na beirinha da saia, que era azul. Foi a primeira vez que ouvi um piano ao vivo. Fiquei mesmo apaixonada pela dança.
No ano seguinte, no Verão, fomos passar uns meses com o meu pai que estava em Luanda, e colocou-se a hipótese de ficarmos lá a viver por uns tempos. Como fomos em Junho, não fiz exame no fim do ano, e saí da escola de ballet.
Fui para Angola com o ballet na cabeça e com as sabrinas na mala. Na altura o meu pai tinha uma cassete de Ravel, com o Bolero no lado A, que a minha mãe lhe tinha enviado. Eu calçava as sabrinas e dançava, improvisava e praticava os pliés e outros passos que tinha aprendido. No fim do Verão voltámos para Portugal e eu trouxe a cassete comigo, as sabrinas que já estavam a deixar de me servir, e dançava no meu quarto.
Depois fui para a natação, para a ginástica, para o basquetebol, mas o ballet nunca mais me saiu da cabeça.
Aos 13 anos voltei, fui integrada numa classe e mesmo antes de fazer o exame tive apendicite aguda. Nem sequer participei na festa de fim de ano porque tive que ficar parada durante 3 meses. Nos anos seguintes não tive horário para continuar e parei de novo. Voltei para a ginástica e avancei no piano. Mas o ballet nunca me saiu da cabeça.
Aos 18 anos falei com um amigo meu que dançava e ele, que era aluno da minha mãe, meteu-lhe um papelinho do bolso a dizer que eu queria voltar a dançar e com o contacto de uma professora de ballet. A minha mãe deu-mo, eu liguei e fui à escola. A professora não depositou muita fé em mim, mas deixou-me tentar durante 3 semanas, eu fiquei de novo rendida ao cheiro da sala, inconfundível e sereno, à música, ao chão de linóleo debaixo dos pés. Convenci-a, e inscrevi-me no grau 6, com miúdas cinco anos mais novas. Inscrevi-me no exame e trabalhei muito, ia para a sala de ballet de manhã cedo dançar, antes das aulas, e sempre que a sala estivesse vazia. Fiz exame com a examinadora que veio de Londres, a Miss Flower, e passei, à rasca, mas passei. Dancei até terminar a faculdade, fiz mais dois exames com boas notas, mas quando começar a estagiar fiquei de novo sem tempo.
Mas já tinha saciado a minha fome e satisfeito a minha curiosidade. Dancei muito e fui feliz. E se gostava de ter continuado? Muito.
É que, como dizia a avó do Billy Eliot, "I could have been a professional dancer! You know?"
Ohh que interessante...
ResponderEliminartemos aqui então uma bailarina/pianista/atleta/design lol
Gostei!!!
Como eu me emocionei ao ler este post...
ResponderEliminarLembro-me, como se fosse hoje, de fujir das aulas de ginástica para ir espreitar as de ballet...
Por causa de uma luxação da anca congénita os meus pais nunca me deixaram frequentar as aulas de ballet com medo que eu "me desmontasse" e porque o meu ortopedista sempre aconcelhou ginástica ou natação para fortalecer o músculo da anca.
Mas eu fugia da aula para ver aquelas meninas dançar e quando chegava a casa dançava eu (estraguei as biqueiras de muitos sapatos).
Que lindo post, Sara. Adorei. Sempre reflecti que podemos ser tantas coisas se tentarmos o tempo suficiente... a vida é que nos vai encaminhando para outros destinos... Eu cá acho que podia ter sido uma escritora de livros de crianças, com desenhos incluídos... Mas nunca dei seguimento à coisa, porque os cursos universitários tradicionais, com pressão da família e da sociedade falaram mais alto. Se calhar tinha sido mais feliz. E talvez teria emprego mais certo... Inspiraste-me e talvez um dia fale nisso no meu cantinho :)
ResponderEliminarBjs**
Este post foi escrito porque no sábado, ao procurar umas coisas em casa, encontrei as sapatilhas da fotografia. Fez-me ter muitas saudades. E apesar de tudo, acabei por não andar muitos anos no ballet. Mas isso é coisas que não vale a pena lamentar. Foi o que foi possível. A minha mãe diz-me hoje que se tivesse estado mais atenta a esta minha paixão, que me teria ajudado a continuar. Mas se calhar eu também não lho mostrei assim tanto.
ResponderEliminarAssim como os meus pais insistiram que eu estudasse arquitectura quando a minha grande paixão é o design. Hoje arrependo-me de não ter fincado o pé. Mas de que me serve lamentar, a não ser angustiar-me? Foi por isso que aproveitei agora para fazer um curso de Design Gráfico, de um ano, e quem sabe no futuro não farei um mestrado ou um doutoramento?
O melhor de tudo é que vamos sempre a tempo. Hoje em dia há aulas de ballet para adultos para a Cris dançar, ou eu... E há cursos de design, e há computadores e criatividade para a Ana escrever livros infantis. E ainda por cima agora com uma fonte de inspiração em casa!
O que importa, e o que eu sempre quis e hei-de conseguir, é acordar de manhã e saber que vou fazer aquilo que adoro. Tenho é que fazer por isso.
Olha..nunca soube disto e estive contigo diariamente 3anos..engraçado! E tens pinta de menina de "sabrinas" !
ResponderEliminarAcima de tudo acho que os sonhos são para perseguir! e como diria o noss grande e estimado professor..!Desenha..desenha muito..desenha sempre!"
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ResponderEliminarQue saudades do prof. Francesco. Lembras-te de quando ele escrevia uma citação por dia no quadro da sala? Frases inspiradoras. Raramente vi alguém tão apaixonado.
ResponderEliminarE tenho muitas saudades desses 3 anos na Soares dos Reis. Acredita quando digo que foram dos melhores anos da minha vida.