No fim-de-semana passado fui comprar pão à cafetaria do Pingo Doce. À minha frente estava uma senhora já com bastante idade, de muletas e com cara de quem estava com muitas dores. E de facto, ela tinha estado a queixar-se a duas senhoras, de quem entretanto se despediu. Entre perguntar preços de inúmeras coisas, escolher os pães que queria "Quero aquele mais tostadinho. Não é esse, aquele que está ali por cima. Não, senhor, aquele ali! Esse, quero esse.", perguntar preços de bolos, escolher finalmente tudo o que queria levar, pedir à neta que fosse comprar chá de camomila, regatear o dinheiro que lhe daria para pagar o chá, recomendar que não trouxesse guloseimas, e finalmente pagar ao empregado que estava já um pouco impaciente, também eu dei por mim já a suspirar e quase a desistir de esperar que a vagarosa senhora se despachasse. Mas a dado momento olhei para a cara dela, tinha uma expressão de dor, e era já com dificuldade que se tinha de pé. Provavelmente iria a pé para casa, não sei se era longe se era perto, mas penso que um passo apenas já seria demais. Sempre que ela falava, ou fazia o mínimo movimento fazia um esgar de dor. Baixei a guarda, tive que recuar na minha impaciência, tive que pensar no sofrimento daquela pessoa, permitir que levasse o seu tempo, o tempo que levaria antes de haver cafetarias e senhas de vez. Para mim, cinco minutos não fariam qualquer diferença. Para uma mulher que sofre com dores, poder escolher o pão que quer, a sua cor, saber que vai ser estaladiço quando o comer com o seu chá de camomila, é talvez das poucas coisas que ainda lhe trará alguma gratificação.
Ontem ia de carro buscar a B. ao infantário e no meio da estrada estava um rapaz a empurrar o carro, que provavelmente tinha avariado ali mesmo. Parei e fiz marcha atrás para lhe facilitar a vida, e depois fui à minha vida. Mal passei por ele é que caí em mim. Eu devia ter saído do carro e ter ajudado o rapaz, que estava sozinho a tentar encostar, a empurrar um carro inanimado. Porque é que não saí? Porque é que nem sequer me lembrei disso, a não ser quando era já tarde demais?
Tenho assistido a algumas situações de pura e simples falta de humanidade. O D. diz que as pessoas andam zangadas. Pois andam, nitidamente. Mas continuam a ser livres de escolher. Podem meter-se nas suas vidinhas de zangados que estão e não agradecer quando lhes seguram a porta, podem deitar papéis para o chão, podem assobiar para o lado se vêm alguém estatelado no chão, e o mundo será sempre um lugar injusto e podre e feio. Ou podem importar-se. Estender a mão. Partilhar, ajudar a levantar, ceder a vez, ouvir, aceitar a diferença. Eu vejo a minha vida cada vez mais a andar para trás, cá em casa andamos preocupados e um bocadinho angustiados com o nosso futuro e zangados também, muitas vezes, tanto que até preferimos nem ouvir notícias. Mas prefiro, apesar de tudo, reconhecer que há ao meu lado pessoas em situações mil vezes piores que a minha. Com menos saúde, com menos dinheiro, com menos família e menos amigos. Com menos esperança, menos recursos para dar a volta por cima. Menos, menos, menos.
Prezo o que tenho, luto por mais. Quero fazer melhor e quero dar bons exemplos à minha pequena Bárbara. Não posso esperar que ela um dia estenda a mão a quem precisa se nós, pais, não o fizermos. Nem sempre o faço, ontem não o fiz e vejo-me a ter que me esforçar bastante para compreender as-senhoras-que-demoram-nas-cafetarias desta vida e a reconhecer que nem sempre tenho a melhor conduta. Por isso, se o rapaz do carro avariado ontem à tarde na rua que fica ao lado da Igreja de Mafamude, a que vai dar ao El Corte Inglês de Gaia, por algum acaso vier dar a este blogue, espero que me desculpe por não ter parado e ajudado a empurrar. Espero que alguém o tenha feito. E desejo-lhe tudo de bom.
Tenho assistido a algumas situações de pura e simples falta de humanidade. O D. diz que as pessoas andam zangadas. Pois andam, nitidamente. Mas continuam a ser livres de escolher. Podem meter-se nas suas vidinhas de zangados que estão e não agradecer quando lhes seguram a porta, podem deitar papéis para o chão, podem assobiar para o lado se vêm alguém estatelado no chão, e o mundo será sempre um lugar injusto e podre e feio. Ou podem importar-se. Estender a mão. Partilhar, ajudar a levantar, ceder a vez, ouvir, aceitar a diferença. Eu vejo a minha vida cada vez mais a andar para trás, cá em casa andamos preocupados e um bocadinho angustiados com o nosso futuro e zangados também, muitas vezes, tanto que até preferimos nem ouvir notícias. Mas prefiro, apesar de tudo, reconhecer que há ao meu lado pessoas em situações mil vezes piores que a minha. Com menos saúde, com menos dinheiro, com menos família e menos amigos. Com menos esperança, menos recursos para dar a volta por cima. Menos, menos, menos.
Prezo o que tenho, luto por mais. Quero fazer melhor e quero dar bons exemplos à minha pequena Bárbara. Não posso esperar que ela um dia estenda a mão a quem precisa se nós, pais, não o fizermos. Nem sempre o faço, ontem não o fiz e vejo-me a ter que me esforçar bastante para compreender as-senhoras-que-demoram-nas-cafetarias desta vida e a reconhecer que nem sempre tenho a melhor conduta. Por isso, se o rapaz do carro avariado ontem à tarde na rua que fica ao lado da Igreja de Mafamude, a que vai dar ao El Corte Inglês de Gaia, por algum acaso vier dar a este blogue, espero que me desculpe por não ter parado e ajudado a empurrar. Espero que alguém o tenha feito. E desejo-lhe tudo de bom.
De alguma forma hoje as tuas palavras arrepiaram-me e sim o mundo anda todo zangado, mas os pequenos gestos de simpatia dependem muito de nós e da nossa boa vontade e tantas vezes nos esquecemos disso. Um bom dia para ti!
ResponderEliminarPara ti também, Jardim!
ResponderEliminarSabes que no outro dia dei por mim a fazer uma boa acção, acho que exactamente porque penso que anda meio mundo com dificuldades. Fiz não..dei a ideia de fazer aliás!
ResponderEliminarIa almoçar e vi uma sra a empurrar uma mota, (aquelas tipo "secador") e disse ao Nuno.."vai lá perguntar o que aconteceu..se calhar ficou sem gasolina e não tem dinheiro. Atravessamos a rua e o Nuno perguntou-lhe o que tinha acontecido, (já estava eu com a mão dentro da carteira!!) ao que a sra prontamente respondeu : avariou! Vou estaciona-la ali e depois venho buscar.
Posto isto, sorrimos e dissemos qualquer coisa do genero: que chatice! A sra sorriu, olhou para o Gui e disse-nos..Mas muito obrigada! E tudo de muito bom para o bebé!"
Soube-me tão bem ouvir aquilo..
Acabamos por não fazer nada de mais, mas pensei naquela celebre frase : amor com amor se paga!